Wednesday, July 11, 2012

É disso que eu falo...


"A mulher tinha 30 anos, um filho, um ótimo salário, um marido bacana, uma empregada de confiança, uma folguista maravilhosa, uma rotina enlouquecida e uma babá de quem desconfiava. Resolveu, por isso, instalar câmeras em casa. Descobriu assim que a verdadeira babá do filho de 2 anos era a televisão. Ligada o dia todo, a TV entretia o menino até a exaustão. Sentada diante do computador, e acelerando as cenas em alta resolução das câmeras escondidas na sala e no quarto da criança, a mulher se diluía em raiva e  garotinho. Assistir ao próprio filho alternando seu tédio entre o sofá, o chão e a parede, quando não estava em pé colado na tela, foi devastador. Abandonado na própria inocência, o menino quieto apenas sorria quando aparecia alguém.
A babá flagrada pelas câmeras era uma presença esporádica, quase incidental, na rotina da criança, enquanto pai e mãe trabalhavam fora. E quando estava por perto, conversava no celular. As câmeras não tinham som, mas não parecia haver gritos, cenhos franzidos, nada disso. Ao prepará-lo para dormir, ela até parecia carinhosa, mas no restante do dia o ignorava. Mesmo assim, dividia com ele o quarto, em paz, enquanto a mãe ficou se perguntando se a moça atendia aos chamados noturnos, ou se também os ignorava.
Chateada, a mãe demitiu a babá e resolveu botar o filho na creche, em tempo integral. Passada a difícil adaptação da escolinha, acostumou-se a buscar o filho pronto para dormir, na volta do trabalho. Parecia perfeito. Ele estava finalmente entretido por profissionais da educação, gente que jamais o abandonaria daquela forma. Manteve apenas a folguista dos fins de semana, moça de confiança, contratada desde o primeiro dia de vida do filho. Nessa, sim, ela confiava, até porque podia fiscalizar, sem aviso prévio, o expediente da moça, aos sábados, domingos e feriados. Aposentou as câmeras.
Não demorou muito, a dúvida voltou a incomodar. Mãe escaldada, achou melhor religar as câmeras e dar uma checada na folguista. Vai que…O trauma recente não a deixava em paz. Tinha pesadelos com o filho sendo engolido por uma televisão. O filho sozinho, chorando, querendo ajuda, sem ninguém atender.
No primeiro fim de semana, não viu nada que chamasse sua atenção. A folguista brincava com a criança. Sentava no chão, montava cabanas e legos. No segundo fim de semana, tudo ok novamente. Respirou aliviada e sorriu ao ver o menino correndo de índio pela casa, sendo arrastado pela folguista em cima de um cobertor como se fosse charrete. Riu. Nunca tinha visto aquela brincadeira. Onde estava mesmo naquele sábado?
No terceiro fim de semana de monitoramento, ficou enternecida ao ver o filho brincando no chão da sala de TV, enquanto a babá comia com um prato no colo e comentava algo que passava na televisão com ele. Onde eu estava, ela se perguntava, porque era domigno, e domingos são dias cheios, tomados por festas e passeios, aos quais sempre compareciam, a família, a folguista…Ficou um pouco enciumada ao perceber que o filho toda hora abraçava a folguista, beijava o braço, puxava pela mão, meio grudento demais. Ele não era assim. Ou era?
No quarto fim de semana, a ficha caiu. Sentada diante do monitor do computador à procura de imagens com provas contra a desatenção eventual da folguista, ela finalmente percebeu que havia algo muito errado na rotina do menino. Um vazio, uma solidão e um abandono não registrados em imagem alguma, mas na ausência de registros. A presença esporádica e quase incidental na vida do próprio filho era ela, a mãe, uma imagem que entrava e saía do alcance das câmeras em minutos fugazes durante todo o dia. Diante da descoberta, chorou um choro diferente, um choro sem consolo, que não se resolveria ao demitir alguém.
Mas, logo lembrou, ela trabalhava demais, mal tinha tempo para si: horário a cumprir, clientes cobrando respostas, marido cansado. Os fins de semana acabavam tomados por compromissos, necessidades, compras. Mal relaxava. Ela se sentia culpada porque gostaria de ser mais presente. Gostaria? Mas não tinha como, ela fazia o possível. Fazia? Deixava ordens escritas, telefonava para casa, até filmar, filmou, e finalmente se enxergou. As câmeras se transformaram no espelho que ela não ousava encarar.
Eu não sei o que essa mulher fez depois para se sentir melhor. Essa história me foi contada, sem nomes ou endereços, por uma terapeuta de casais para ilustrar um mal humano: a incapacidade de se perceber.
A  vida de cada um é um universo muito particular, mas, quando os filhos chegam, é preciso reordenar as prioridades para não sermos presenças incidentais na vida deles."

5 comments:

Unknown said...

gente q texto !!!! Obrigada por compartir.

Liliane Arend said...

por isso agradeço todos os dias por poder estar em casa acompanhando todos os momentos do meu pequeno ... não é uma tarefa fácil, pq em determinado momento nos sentimos entediadas, com um aperto no coração me perguntando se eu não deveria trabalhar para ter mais qualidade nos momentos com o pequeno, pq o dia-a-dia de mãe full time não é fácil.
Por isso, de vez em quando durante o ano faço cursos ou viagens com amigas.
enfim, ser mãe nos dias de hoje é um eterno dilema
beijos
Li
londrescomfilhos.blogspot.com

armário de cores said...

Nossa Ju, muito tocante isso. É claro que muitas mulheres não podem deixar de trabalhar fora. Isso hoje é uma realidade. Acho que ao decidir ter filhos, as pessoas tem que ter na cabeça, que para que eles sejam felizes, equilibrados, saudáveis em todos os aspectos, os pais tem que estar dispostos a abrir mão de muitas coisas durante um bom tempo. E muitos não se dão conta disso. Enchem as crianças de presentes, de tarefas, de cursos e não se dão conta que eles só querem a presença, atenção, carinho, estar junto, sentir que nos importamos e que são importantes em nossas vidas.
Um beijo.

Anonymous said...

Sensacional essa matéria. Tenho uma bebe de 1 mes e terei que colocá-la no berçario com 5 meses... Sò de imaginar, me dói o coração... O jeito será usar todo meu tempo livre pra ela. E nada de folguista! O fim de semana é nosso!!! Pra mim é um grande prazer cuidar dela, trocar fralda, dar banho... Mas me sinto uma exceção, é tão absurdo...
Tatiana

Anonymous said...

Muito bom esse texto. Porem , temos que analisar tb que atras das razoes aparentes para as nossas escolhas existem tambem as escondidas. Aquelas que nao confidenciamos nem a nos mesmas.
Eu acho que tudo depende tambem da cultura do lugar aonde moramos. Bom, o que eu quero dizer e que ,no Brasil, nao existe muita escolha para as mulheres pertencented as classes media /media alta. A mulher no Brasil trabalha e pronto. Quem nao trabalha e fica em casa com os filhos e considerada uma paria da sociedade(errado, muito errado). Nos deverimaos ser capazes nos dias de hoje a ter direito as nossas escolhas e sermos orgulhosas delas. Porque felicidade so vc mesma pode saber o que significa. Mas a verdade e que quem nunca saiu do Brasil , nao tem coragem de peitar na maioria dos casos. E segue a vida como a sociedade determina.
Por outro lado , eu vejo que aqui nos EUA se criou a profissao mae. As maes profissionais sao tambem muito chatas, geralmente sao mulheres que ja tiveram uma carreira e que agora sao maes em tempo integral e fazem de seus filhos, os seu sucesso profissional. E alem disso, fazem deles uma desculpa para ficar em casa, pq muitas vezes nao querem lidar com o stress, que eh ter uma carreira. O filhos justificam essa escolha. E existem as pessoas que realmente querem ficar em casa com os filhos, por opcao.O que tem as babas a ver com isso, nada. So que no Brasil qualquer decisao pode ser assistida e no exterior nao.